segunda-feira, 20 de abril de 2009


Prisão de Sentidos


Nesta prisão carregada de sentidos
De paredes e grades, em que envelheci
A ouvir os rouxinóis entre a folhagem,
Sinfonias de compositores desconhecidos,
Bandas sonoras dos filmes que não vi...
Mundos feitos à minha imagem.

Sussurro às pedras deste meu chão
Que nem vejo nem sinto...
Recordação dos tempos idos,
A alegria contagiante do meu irmão
À lareira, um copo de bom tinto,
Despiques de xadrez divididos.

Tento abrir os olhos... para nada,
Ouço o respirar ofegante de quem passa,
Cheiro o ar que nos faz definhar,
Apalpo uma lágrima chorada...
Tristeza que apaga a felicidade escassa
A vontade de voltar a amar.

Conto desordenadamente as horas,
Não sei se é noite, se é dia,
Primavera sem andorinhas…
Sinto agora o calor, quando coras
Essa tua vergonha vadia,
As tuas mágoas que são minhas.

Invento o olhar do Sol e da Lua,
O sorriso eterno daquela estrela,
O voar delicado da cegonha
Imperatriz de imponência só sua,
A guardar o ninho qual sentinela
Que dorme… sonha.

Olhar de Miúdos Descalços

O sabor do oceano adoça-me a boca
Como se sentisse o mel nos teus lábios,
Súplica de encantadas sereias,
Delírios entoados pela ventaneira.
Viagem infindável de uma romeira
Trilho traçado no chão que semeias,
Páginas mastigadas dos alfarrábios
Que contam a nossa natureza louca.

Castelos imponentes feitos de areia,
Desenhados por valvas e pedrinhas
Extensões de quimeras perdidas…
Querer ser e não poder.
Sentado no mundo que me viu nascer
Conto estrelas como sendo vidas,
Forjo letras e pequenas palavrinhas,
Olho triste a aranha em sua teia.

Vivo romances falsos…
Sinto a velhice em tenra idade,
A dar-me lições moralistas,
Pena merecida nesta existência.
Cega-se uma vida em decadência,
Máscaras… expressões que registas
Por serem o espelho da verdade,
Olhar de miúdos descalços.

Fome… fome que vejo alguém ter,
Que repudio por ser eu… ou não!
Balas que atravessam desertos,
Desertos de homens sem inteligência.
Corpos rasgados… sem essência,
Espalhados pelo campo, descobertos,
Ao relento, à morte, na solidão,
Olhar de miúdos que querem viver.